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domingo, 7 de junho de 2015

GR22 : Day Two - The beginning of the End

GR22 - A Grande Rota das Aldeias Históricas de Portugal
A true self-supported bikepacking adventure

Day Two - The beginning of the End


A noite, ao contrário do que previa, foi calma e tranquila, em tudo à semelhança do dia com que fui brindado assim que abri os olhos, já passava das 7am. Num ápice arrumo o pouco que trago e preparo uma dose de arroz com sultanas. Um género de arroz doce manhoso mas que providencia um bom pequeno-almoço. Junto uma barra e uns frutos secos e estou despachado.

Enquanto tragava o pequeno-almoço pensava no dia que nascia e o que fazer com ele.
Sabia, à saída de Castelo Mendo, que teria pela frente uma das etapas mais rolantes, mas para cumprir a distância estipulada teria que vencer, nada menos ou nada mais que, 160Kms!


Embora já o tivesse feito antes, era uma distância que sabia praticamente impossível de vencer naquelas condições. Tendo que me preocupar com navegação, carga extra, abastecimentos liquidos sabe-se lá onde, etc...
Tudo isso mais a incerteza de que caminhos iria encontrar pela frente obrigavam-me a ter a plena consciência de que seria virtualmente impossível, mas ainda assim arranquei com a moral a tope, para ir, pelo menos, tentar cumprir os 145Kms que tinha, em casa, definido como distância para este dia.

E assim segui.

Sentia-me bem, tinha dormido bem, o dia estava limpo e aparentava estar mais estável. Tudo corria sobre rodas.
Novamente a pedalar atrás das ilusões, o rabujento motor diesel foi aquecendo e bulia agora a toda a força.



Os caminhos foram aparecendo, ora fáceis e rolantes, ora maus a obrigar a constante atenção, mas na sua maioria, com bom piso. E foi rapidamente que cheguei a Almeida, mas não sem antes ter que trepar os 300m de acumulado na subida a esta povoação, todos de uma virada, durante cerca de 2.5kms por uma pista de empedrado pequenino, massacrante.


Mas lá cheguei e subo ao centro da vila muralhada à procura de duas coisas.
Um café, mas mais importante, um sitio onde levantar dinheiro. Com as pressas não levantei dinheiro antes de sair de Sortelha e os 15€ que levava comigo já tinham ido quase todos em águas, minis e gelados.
O jardim principal da vila estava enfeitado pelas crianças da escola lá do sítio e uma das ruas forrada a chapéus de chuva de várias cores e tons. Engraçado e insólito.



Saíndo de Almeida, o objectivo principal passou a ser alcançar Castelo Rodrigo. inadvertidamente, acabei por ir dividindo as distâncias totais a percorrer em pequenos sectores pois facilitava-me o trabalho de gerir àgua, cansaço, cabeça, tudo. No entanto, os caminhos bons do início foram substituídos novamente por caminhos menos bons, de passo mais dificil, mais lento e por vezes bem mais doloroso.














A Castelo Rodrigo cheguei pouco passava das 12am.
Subi à Igreja e ao Castelo para depois descer e tomar o abrigo fresco de uma esplanada. Uma daquelas esplanadas típicas destas aldeias, quem tem tudo para turista ver mas nada que comer. Nem uma bifana, nem uma sandes, nada, nadinha!



Quando perguntei ao rapaz se tinha alguma coisa para comer, respondeu-me que para petiscar só em Figueira de Castelo Rodrigo, meia dúzia de quilómetros montanha abaixo....

"Naaaa" - Pensei eu!

"Então, olhe, dê-me um Corneto de morango, uma coca-cola e uma garrafa de água de meio litro, fresquinha, por favor." - Respondo depois de uns segundos de silêncio.

Serviu-me e fui sentar-me na esplanada, à sombra.
No entanto, devo confessar, o que me apetecía mesmo era um bitoque com uma bruta salada, uma cola fresquinha a estalar e um Corneto sim, mas como sobremesa.
Não me apetecia nada, por outro lado, ir me meter a aquecer água para preparar um prato de lentilhas de sabor duvidoso e quentes, demasiado quentes e pesadas para o dia que estava.

Daí que, apesar de ter estado quase duas horas parado à sombra, apenas comi umas barras e petisquei uns frutos secos, além do geladinho já mencionado.






Nesta esplanada soube da temperatura no exterior. 42º comentaram uns emigrantes/turistas da France que tinham entrado pela porta à uns minutos. Após isto, perdi-me uns momentos a fazer contas à quantidade de água que já tinha bebido e surpreendi-me com os valores deste e do dia anterior. Tinha consumido perto de 11L de água no primeiro dia e no segundo e até ali, um pouco mais, indo mais perto dos 13L.
Mas as horas iam passando e eu, sem pensar muito, ou melhor, sem pensar de todo, arrumo tudo e volto a pegar na bicicleta com o objectivo de chegar a Marialva.

Larguei o fresco da esplanada de Castelo Rodrigo eram 14pm.

E cerca de 15kms depois estava sobre a Ponte da União, acima das águas do Côa.
Este foi o ponto de viragem. Foi o principio do fim, literalmente, já que não terminei de cumprir os restantes 20kms até Marialva. Bem, nem cheguei à povoação de Juízo tão pouco, a pouco menos de meia dúzia de quilómetros de distância.



Mas deixai-me tentar explicar o que acontceu...
Cheguei a este ponto do percurso eram 15pm, e foi a essa hora que iniciei a grande subida da parede oposta do vale onde estava. Uma língua de asfalto rugoso, terrivelmente brilhante, quase incandescente debaixo daquele calor todo.


E que calor. Além dos 40 e tal graus, estava um ar pesadão, abafado, espesso.
Trovões ribombavam já ao longe. Podia ouvi-los ainda sem os ver.
A onda de calor que emanava daquela tira de asfalto chegava-me ao peito e impedia-me de respirar enquanto empurrava a bicicleta de cabeça baixa. Tinha que parar de andar e levantar a cabeça para conseguir algum ar respirável e que não me queimasse os pulmões de forma atroz a cada inspiração.
Os pneus arrastavam-se no alcatrão quente com aquele típico barulho de borracha a derreter e a colar no chão. Parecia que estava dentro de um forno em lume alto. Escorria suor de forma mais intensa do que se tivesse uma torneira aberta por cima da cabeça.
Já em piloto automático consigo largar a linha de asfalto para entrar novamente em caminhos de terra. Mas a subida não termina, abranda de inclinação mas acaba por aumentar de intensidade devido ao piso que piora.
O meu organismo acaba por ceder e começo com vómitos. Tudo o que ainda me restava de fuel estava agora espalhado no meio do trilho. O calor não amainava e eu não conseguia arrefecer um motor cada vez mais quente.
Tinha perdido as forças de uma forma avassaladora. Custava-me dar dois passos seguidos a empurrar a bike. O meu corpo queimava por dentro e por fora. Os músculos gritavam-me dentro da cabeça dores absurdas, como não me lembro de alguma vez ter sentido.


O objectivo passou rapidamente a ser encontrar um sitio cómodo para parar e preparar-me para passar a noite. Isto eram 16pm, sensivelmente. E de uma sombra onde me pudesse abrigar, nem sinal.
Era impossível para mim continuar naquela condição.
Empurrei a bicicleta para o lado e sentei-me encostado a umas telhas empilhadas à beira do trilho.
Não conseguia dar nem mais um passo.



Do sitio onde me deixei cair avisto um poço e ao lado uma pequena casinha de guarda de materiais do campo, mas não me consigo arrastar até lá. Nem tento, pelo que me deixo ir ficando pelo primeiro sitio que encontrei e que até determinada altura me protegeu. E foi aqui também que me inteirei completamente da situação que tinha em mãos e da possível gravidade da mesma.


Um bocado depois ligo para casa e explico o que se estava a passar. Mais ao menos, claro.

O meu pai de imediato se prontificou a arrancar para cima para ir ao meu encontro a Juízo, mas eu não saberia se lá chegaria pelo que combinámos que eu entraria em contacto quando decidisse o que fazer ou se precisasse de ajuda.
Mas naquela altura o que eu sabia era que dar mais um passo estava fora de questão e que a travessia tinha acabado ali. Precisava de dormir e que amanhã logo veria o que faria. Nem sequer sabia se estaria em condições de andar no dia seguinte. Tinha que descansar antes de tudo.
Eram as únicas ideias e pensamentos que, naquele momento, conseguia racionalizar.
Nos montes à minha volta eram visiveis as colunas de chuva, mais escuras, no horizonte. Os trovões caiam agora a todo o meu redor, com muito maior frequência e com uma intensidade absurda.
Sabia que corria o risco certo de vir a apanhar chuva mas apenas me preocupei em tapar a mochila com a capa impermeável e vestir o saco de bivaq, também ele impermeável, ao saco-cama.
Enfiei-me lá dentro e tentei dormir.

Começam a cair as primeiras pingas uns minutos depois de me ter deitado. As primeiras caiam em cima da capa impermeável do saco-cama com um barulho harmonioso, quase romantico, tranquilizante.

Mas foram aumentando progressivamente de intensidade para passar a cair com a mesma violência com que continuavam a ribombar os trovões em meu redor.
Completamente enturpecido toma a decisão de me ir abrigar convenientemente na tal casinha que já tinha visto anteriormente. Indo buscar forças ao instinto de sobrevivência, saio novamente para fora do saco-cama que fecho rapidamente dentro do bivaq para que não se molhe, visto o meu impermeável, calço os sapatos já completamente encharcados e meto a mochila às costas. Pego na esteira em conjunto com o bivaq e arranco disparado, a corta mato, direito ao que aparentava agora ser a minha salvação.
E foi mesmo!
Uma casinha seca, vazia e que me permitiu uma noite calma e de alguma forma revigorante.
A bike ficou caída no mesmo sitio onde estava desde que a deixei cair para o lado.

Tento comer alguma coisa, mas sem sucesso. Não entra nada. Se forçar, sai.

Mantinha água comigo e era isso que me apetecia. Água. E bebi à vontade durante toda a noite.
Por volta das 22pm o meu pai, preocupado, liga-me. Arranca-me já do sono.
Pergunta-me, "Como está o tempo aí?!"
Respondo-lhe sem levantar a cabeça da esteira, "Chove de cara#$!"&/"

Mas depois de lhe explicar que já estava abrigado e protegido, lá descansou. É Alpinista e montanheiro experiente e habituado às agruras das aventuras no meio dos montes e Montanhas, e tranquilizou-se um pouco mais quando percebeu que eu tinha a situação minimamente controlada e que não teria que passar a noite realmente ao relento, encharcado que nem um texugo debaixo de uma tempestade que valia Alerta Amarelo nas informações da Internet.

Por esta altura também já tinha recuperado algum descirnimento e já tinha também traçado um plano para me pirar dali para fora e que consistia em chegar a Juízo ou outra povoação qualquer e chamar um táxi de regresso a Sortelha. Se tivesse que deixar a bicicleta para trás, trataria de a vir buscar depois.
Por isso ficámos combinados que eu daria notícias logo de manhã assim que acordasse.

Volto a sentar-me na esteira e enrolo um cigarro. Continuava a trovejar e a chover copiasamente lá fora.

Volto a beber mais água, mas essencialmente mantenho-me inerte, absorvendo a intensidade daquele momento enquanto o tabaco arde completamente na murtalha, quase sem o chegar aos lábios.

Assim que volto a encostar a cabeça na esteira, adormeço de imediato.



Continua aqui...









3 comentários:

  1. bom... tendo eu tb feito uma subida idêntica, à torreira do sol, com 43º e o mesmo ar pesado de trovoada, sem qualquer peso além do meu, da bike e de um bidon meio de água, e sabendo o que isso me custou em termos de gestão do calor que sentia, não sei como é que não caíste para o lado mais cedo!!!

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  2. Extraordinária aventura! Parabéns e votos de muita força e coragem para o resto do caminho.

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  3. Engraçado, por momentos vi-me numa situação mais ou menos idêntica à tua desta crónica... Locais inóspitos, calor abrasador... só que no meu caso estava acompanhado, e mesmo assim, só conseguimos chegar ao destino já de noite, e não ficámos ao relento. Aventura aventura, é o que viveste nestes dias...

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