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terça-feira, 23 de junho de 2009

Ruta "Pedals de FOC" - Dia 3

23 Junho 2009
Espui – Son


De desayuno engolido apresso-me a sair para a rua. Ir buscar a bike ao parque de “bicis” – perceber que os do tandem já tinham partido novamente – carregar pilhas novas no Orégão e na máquina dos retratos, enfiar o pic-nic – almoço – dentro do camelbak, encher este de água e fazer-me à estrada.
Pela frente, 1km depois de ter começado a pedalar, tinha uma subida que se prolongaria por 12kms ininterruptos, com uma inclinação média a roçar os 10%, de bom piso e que me transportaria até ao Coll del Triador e ao alto dos seus 2138 metros de altitude.

Literalmente, passei as mais de 3 horas que se seguiram cavalgando o dorso da serpente… Uma serpente enorme e venenosa, deveras venenosa! Torcia-se montanha acima, levando-nos com ela numa fantástica viagem de sangue, suor e lágrimas.

Junto comigo em Montseny estavam hospedados, além do casal de Barcelona que já seguia na dianteira, mais 3 companheiros de origem Basca, super “boa-onda” e muito divertidos. Falámos apenas hoje de manha e sabia que teria a sua companhia nos trilhos, ainda que apenas durante breves momentos, pois eles haveriam de passar por mim e deixar-me pregado no chão.

Arranquei por isso entusiasmado, confiante e cheio de “ganas” de me ver pisando El Triador!
A encosta a vencer tinha um desnível de 1050 metros verticais e embora a inclinação fosse quase constante, de vez em quando lá vinha umas paredes, sempre em curvas apertadíssimas com formas de gancho ou de ferradura. Houve 3 dessas rampas que me obrigaram a descer dos pedais, autoritárias.


A povoação de Espui…

A cabeceira do Vall Fosca começava a perceber-se…

O primeiro “gancho” a doer a sério! Mais paredes destas haveriam de surgir…

A subida continuava…

Sempre fiáveis, ambos…

Espui e a serpente…

Ao pé daquelas pedras, nova secção a matar…

A 3ª e ultima parede em forma de ferradura…

As vistas que o horizonte abrangia…

O corpo da serpente… venenosa! Espui ainda visível no vale lá bem em baixo…

José já se encontra visível na imagem. Onde está o Wally?

No Coll del Triador, a 2138m de altitude.

Depois de 3h02m pisava finalmente o tão aguardado Coll. Lugar fantástico de onde se avista um mundo maravilhoso. Reconhecem-se os Pirineus franceses, os maciços orientais dos Pirineus espanhois, Andorra… Um Quebrantahuessos sobrevoa um pico pedregoso vizinho…
Só o vento interrompe aquele silêncio repleto de harmonia…

O vento e um ronco na pança!
Estava com fome. Já tinha comido no caminho, durante uma das paragens que fiz durante a subida, mas iria faze-lo agora ali mais descansadamente, com outras vistas para apreciar. Fazia o jeito e esperava pela restante malta que já sabia estarem todos a caminho. Já os tinha visto há uns quilómetros atrás, todos eles cavalgando o amarelado dorso da serpente, devagarinho e pachorrentamente…
Numa das vezes em que me debrucei sobre as vistas que iam ficando para trás reconheço José, que vinha forte e a ganhar espaço ao que nos separava, mais de uma hora de caminho.
Fiquei feliz por perceber que estavam de novo todos lá. Face às incógnitas do dia de ontem, não sabia se eles estariam aptos a prosseguir logo pela manha ou não. Assim conseguiram. O grupo do José chegou um pouco depois das 23h e apesar de não conseguirem resolver o problema do desviador da bike da Kate, passaram-no à mão para a avozinha e foi assim que ela trepou ao Coll del Triador.


Assim como Ken e Alex, os últimos do grupo a atingirem tão almejado…

Uma última foto antes das despedidas…

As despedidas tiveram que acontecer, lamentavelmente, e depois de abraços, beijinhos e votos de boa continuação, foi hora de seguir viagem. É que ao contrário dos meus amigos que tinham apenas mais 10kms para fazer até ao seu local de pernoita para hoje, eu teria mais 45, mais coisa menos coisa. E alguns deles duros, quer a subir, quer a descer.

Sigo direito ao Coll de La Portella, ponto mais alto da travessia, com a passagem dos seus 2268 metros através de estradões de bom piso, necessitando apenas de me preocupar para não atingir uma das muitas minas, provenientes do gado pastando descontraído, que salpicavam os caminhos.
As vistas continuavam dominadoras e magníficas.
A certa altura a pista – que vinha há uns curtos quilómetros à cota pela encosta da montanha, contornando o pico Montsent de Pallars e os seus 2883m – começa a descer suavemente sem nunca perder demasiada altura, mas torna-se rapidíssima com o acumular de desnível aliado ao piso de gravilha pequena. Acabou por ser uma surpresa em cada curva, pois nesta altura havia bons pastos, e além de muitas vacas, haviam também muitos cavalos. Alguns, exemplares perfeitos de porte elegante e atlético. Pastavam soltos e livres de amarras, donos das encostas das montanhas e dos caminhos.

Corvos levantavam do caminho à minha passagem enquanto águias sobrevoavam bem do alto, apreciando todo aquele panorama irrepreensível…


A caminho do Coll de La Portella, tecto da PdF com os seus 2268m de altitude…

Cavalos…

E uma intensa descida em gravilha, rapidíssima…

E ainda mais outros…

Esta descida termina numa zona em que um ribeiro alimentado pelo degelo da neve que ainda resiste um pouco mais acima nas alturas marca a transição para a extenuante subida até ao Coll de La Portella, onde iria largar os trilhos da “Travessia dos Pirineus” que tinha vindo a seguir desde Espui. Haveria de seguir então para a esquerda na direcção do Coll de La Creu de L’Eixol, que está fixado a uma altitude de 2232m, e que acaba por surgir depois de um período ondulante alternando pequenas subidas com pequenas descidas, sempre em estradão de gravilha, sempre á cota.

Depois do Refugio de Quatre Pins e daí até ao início da descida pelo Vall d’ Espot foram mais uns minutos. Alguns, pois a subida até ao Coll de nome complicado que permitia essa passagem foi durinha, embora de uma beleza estonteante.


O Pico Montsent de Pallars e a bela e rápida pista descendente que vinham seguindo…

No Coll de La Portella, situado a 2268m

A caminho do Coll de La Creu de L’Eixol, localizado a 2232m

Auto-retrato no Coll de La Creu de L’Eixol…

A descida para a povoação de Espot foi brutal. Muitos e muitos quilómetros de pistas e caminhos de terra para depois terminar em asfalto, já pertinho do pueblo. A pista de ski nórdico de Forcall foi tão potente que me derreteu o que restava das pastilhas do travão traseiro. Com este completamente inutilizado, passei a abusar do travão da frente que chegou á pacata vila de Espot rosado que nem o rabinho de um babuíno!
Foi demais…
Foram só 13kms de descida non-stop!

Em Espot voltei a encontrar os Bascos. Tomavam uma cervejinha quando cheguei á esplanada onde estavam sentados. Coincidência? Não! O local do C6 era mesmo ali atrás, no hotel Roya. Mais dois dedos de conversa e eles arrancam pois já ali estavam há 45 minutos. Delicio-me com um prato de “tapas” e uma coca-cola, aproveitando para descansar um pouco, pois dali para a frente seria novamente a subir.

“Ainda bem, pois já não aguento muitas mais descidas destas sem travão traseiro” – Pensava enquanto olhava o Livro de Ruta.

Já não havia comida no prato e no copo já só restava gelo, mas eu ainda não me tinha levantado. Já tinha inclusive fumado o cigarrinho do costume. Mas não me conseguia levantar, não me apetecia mexer. Mas tinha que ser, ninguém o iria fazer por mim e descansar mais não iria trazer benefícios.

Tive que me por ao alto e mandar o meu cérebro ordenar aos músculos fazerem o favor de me respeitar. – Afinal quem é que manda aqui?!


Iniciando a descida pelo Vall d’ Espot…

Descendo pela pista de ski nórdico Forcall da Estância de ski de Espot…

Povoação de Espot…

Depois de Espot restava-me alguns quilómetros a cumprir numa única subida até Son, local onde iria dormir, com a companhia dos companheiros provenientes do País Basco, na casa Masover.
A subida de asfalto foi meiga, mas não menos impressionante! Uma linha cinzenta muito brilhante cruzava impiedosa através dos montes acima, contornando estes e perdendo-se na densa vegetação atrás de uma curva.

As vistas iam humilhando o esforço, deixando-o pequenino e insignificante.
Quanto mais subia melhor eram. O Vall d’Aneu abria-se ante os meus olhos como qualquer coisa de divinal. O éden na terra!

Sempre em sentido ascendente acabei por passar pela povoação de Jou e uns quilómetros mais à frente lá estava, silenciosa e plácida, a povoação que me serviria de porto de abrigo para uma última noite nas montanhas. Na bonita povoação de Son, estava situada a casa Masover, onde haveria de pernoitar.


Subindo para Estais… Pistas de Espot bem marcadas ao fundo na montanha…

Belas paisagens do Vall d’Aneu…

Vistas sobre o lago com o Parque Natural L’ Alt Pirineu ao fundo…

Povoação de Son, onde dormiria na casa Masover…

Assim que cheguei e depois de esperar uns minutos até que aparecesse alguém, lá me foram mostrados os aposentos, as instalações, o normal. A simpatia e recepção foram semelhantes ao que de melhor já tinha presenciado. Um senhor forte e bonacheirão era o anfitrião.
Estranhei os Bascos ainda não terem chegado, mas deduzi que tivessem tomado a opção de uma das variantes da Ruta que passa pelo Bosque Negro de Son. 670 Metros de acumulado positivo a mais não era coisa que me apetecesse muito, embora depois do relato feito pelos intervenientes tenha ficado com alguns remorsos pela opção que tomei.
Disseram maravilhas do trilho! Enfim…
Aproveitei esse tempo para trocar as minhas mortas pastilhas traseiras depois de um banhinho cuidado na montada que bem precisava. O pó acumulado resultante da batalha era o culpado pelos barulhos incomodativos que soltavam os pivôs da escora ao receber os obstáculos do caminho. Depois do serviço concluído e cara lavada era outra!

Entretanto chegam os meus companheiros de jantar e de aventura!
Só aqui pudemos travar melhor e mais prazenteira conversação. Enquanto esperávamos pela feitura da janta fomo-nos perdendo em histórias de cá e de lá. Sempre em Castelhano que eu de Basco não percebo nada, proporcionando um final de tarde estupendo.

O jantar foi na mesma onda…
Bastantes coisas em comum entre estranhos deu o mote para uma conversa que se estendeu por horas atrás da mesa do jantar. O dono do estabelecimento connosco à mesa e muita simplicidade no trato, fez desta uma noite em tudo semelhante a uma noite “entre amigos”.
Tudo malta que vive no monte, para o monte e do monte!

Que posso eu dizer mais?!
Apenas que tive muita, mesmo muita pena que terminasse…


Gosom, Hiker e Yon! Os companheiros Bascos com o seu instrumento de “bebida”…

Ainda estivemos para ir a pé às festas que aconteciam em Esterri d’ Aneu, donde vinham os foguetes que ouvíamos estoirar no ar, mas acabámos por perceber que seria de loucos e confortavelmente nos fomos deixando embalar na cavaqueira, bebendo birra com lima por um “vaso basco” próprio para tal, cedendo lentamente ao cansaço e à vontade de deitar o esqueleto que aconteceu por volta das 02h30 (!) da madrugada.


O início da tirada de hoje foi às 8h em ponto e acabei por chegar ao final no exacto momento em que o relógio acusava as 16h30. Para completar os 54.5km demorei 8 horas, das quais 2h30 foram à sombra a descansar. Trepei um total de 1611 metros e acumulei um total de descidas na ordem dos 1485m.

Local de pernoita: Casa Masover
http://www.casamasover.net/principal.htm

[Continua…]

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